sexta-feira, 12 de setembro de 2014

DEUS NEGRO





Deus decepção.
Deus na cor que eu não queria,
Deus cara a cara, face a face,
sem aquela imponente classe.


Deus simples! Deus negro!
Deus negro?
E eu...
Racista, egoísta. E agora?


Na terra só persegui os pretos,
não aluguei casa, não apertei a mão.
Meu Deus, você é negro, que decepção!


Deus, eu não podia adivinhar.
Por que você se fez assim?
Por que se fez preto, preto como o engraxate,
aquele que expulsei da frente de casa?


Deus, pregaram você na cruz
e você me pregou uma peça.


Eu me esforcei à beça em tantas coisas,
e cheguei até a pensar em amor,
Mas nunca,
nunca pensei em adivinhar sua cor.

Texto: Neimar de Barros
Ilustração: Deyse Gomis

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Sobre sentidos, pastoreio e novas caminhadas...











Como ela mesma diz: "Palavras são presentes"! 
Esse, ganhei da amiga-irmã.
Andreia Fernandes



Os sons para quem ouve, são valiosos.
As imagens para quem vê, são valiosas.
Os aromas para o olfato, são valiosos.
Os sabores para que tem paladar, são valiosos
Então porque, muitas vezes, o valor se perde no cotidiano, 
E aquilo que é valioso passa desapercebido?
Mas, é preciso lembrar: não deixa de ser valioso.


O pastoreio acontece assim: 
ajudamos a quem encontramos no caminho 
a recuperar a possibilidade de dar valor aquilo que, 
por estar tão perto, deixa de ser percebido, 
ou mais, deixa de ser valorizado como deve. 
Deus está perto de nós, seus sons, suas imagens, 
seus aromas e sabores estão no meio de nós, 
o Cristo é a expressão dessa verdade!


No entanto, quando a luz se apagou em Jerusalém, 
os sons se resumiram a um frio silêncio 
e o cheiro da desesperança levou pessoas para Emaús, 
não havia mais sabor... 
Os sentidos lá estavam, 
mas pessoas insensibilizadas pela dor, 
pelo medo, não sentiam.


O Bom pastor, que é o Verbo, o bom perfume, 
o Pão da vida se põe no caminho 
e encontra nesse caminho quem precisa redescobrir valores. 
Por conta do precioso encontro, se ouve: fica conosco essa noite, 
come com a gente, vamos bater um papo 
e, é assim, com as coisas simples e cotidianas da vida 
que o Mestre os ensina a enxergar no escuro, 
a escutar o que não é dito, a cheirar vida em meio a morte, 
saborear a esperança em meio aos dissabores da realidade. 
Sim o bom pastor isso faz!


Thaiana, o bom pastor está com você, 
foi Ele que te chamou, NÃO tenha dúvida disso. 
Essa nomeação é o sensível toque do nosso Mestre 
reavivando o seu sentir, apurando os seus sentidos 
para que no encontro com as pessoas, 
seja você: mensageira da paz, da justiça, 
aquela que traz, por meio da partilha, bom alimento 
e alegria para quem, desesperançado em Emaús, 
perceba a Jesus, aqueça o coração 
e com os sentidos apurados e renovados, reveja Jerusalém 
e, com ousadia, enxergue possibilidade de crescimento, 
de transformação pessoal e engajamento social 
em favor de quem o diabólico sistema tem destruído a esperança 
e a possibilidade de mudança!


Você hoje recebe um presente, vocês hoje recebem outro presente. 
Que no amor do Cristo, companheiro do caminho, 
vocês cresçam em Graça e unidade!


Deus está contigo!

Um beijo da amiga,
Andreia.

terça-feira, 11 de março de 2014

Dia 8 de março.Não dê flores. Dialogue sobre relações maisjustas e solidárias entre as pessoas!



Por Thaiana Assis

Já não se distingue judeu e grego, escravo e livre, homem e mulher, pois em Cristo Jesus, sois todos um só. Gl 3.28

O dia 8 de março é um dia de comemoração! Internacionalmente, pessoas parabenizam mulheres pelo simples fato de serem mulheres, esposas, mães e filhas. O mercado se apropria dessa data para aumentar suas vendas e o consumo torna-se central. O consumismo, o individualismo, as 
prioridades humanas/desumanas, a coisificação das pessoas e os interesses pessoais acima de qualquer coisa tiram o foco do que seria central nesse dia. 

Como cristãs e cristãos metodistas, queremos chamar sua atenção para a 
importância dessa data. Não como o dia em que somente ressaltamos as qualidades das mulheres e dizemos o quanto são especiais, lutadoras, inteligentes e lindas, ou ainda em homenagens que fazemos com presentes, chocolates e flores, mas recordar o que de fato colocou essa data na agenda internacional: mulheres trabalhadoras que foram incendiadas violentamente enquanto lutavam por seus direitos. 

No versículo em destaque, o apóstolo Paulo, de forma muito assertiva e 
inspirada por Deus, já declarava em seu tempo a dignidade e o direito das mulheres. Isso porque em Jesus Cristo todas as injustiças e desigualdades são superadas. Seu testemunho e missão nos inspiram na luta pela superação de toda e qualquer violência e exclusão, devolvendo à mulher a dignidade de filha de Deus.

No evangelho de João, no capítulo 4, Jesus tem um encontro com uma mulher samaritana: ele lhe olha nos olhos e a surpreende por ter com ela um diálogo profundo, significativo. Jesus não só enxerga essa mulher, ele a escuta e, com ela, partilha água, partilha vida!

Em um contexto de exclusão generalizada, Jesus propõe encontro, convivência e respeito, propõe a retomada da dignidade, da superação dos preconceitos. Ele propõe um novo modelo, uma nova concepção, onde diferenças físicas, biológicas, étnicas ou culturais são encaradas como possibilidades de crescimento e desenvolvimento. Assim, nos desafia a exercer uma fé que supera preconceitos e julgamentos, mas que luta pela diversidade, pela justiça, que reconcilia, inclui dialoga, sempre favorecendo a vida! Velhas distinções e barreiras foram destruídas pelos ensinos de Jesus Cristo. Ele derrubou a separação entre os povos, propôs um novo paradigma: reconhecer e acolher a mulher e o homem com suas diferenças biológicas, colocando o direito, o respeito e a dignidade humana acima das construções sociais. 

Se o mundo se esquece das instruções do Mestre, nós não podemos nos 
esquecer! Nesse tempo de mercantilização da vida, especialmente da vida das mulheres somos chamados a ser profetizas e profetas que denunciam tudo o que macula a imagem de Deus em nós. 

Aproveitemos esse dia 8 de março para questionar a condição e posição das mulheres em cada país, dialogar em nossas comunidades e exigir que se cumpra a justiça e o direito em cada casa, em cada comunidade de fé, em nossa cidade, nosso estado, nosso país. Que se cumpram os compromissos internacionais dos direitos humanos das mulheres, que avancemos na luta e repensemos os retrocessos em matéria de igualdade entre todas as pessoas. 

Fazemos parte de uma cultura em transformação, isso é um processo longo mais que não pode parar. Não podemos deixar que diminuam a importância deste dia, como se tudo que importasse fosse o mercado. Juntemos-nos às pessoas que insistem em dar o devido tratamento a luta pelos direitos da mulher, da igualdade entre as 
pessoas. 

Assim como Jesus, o Cristo, vamos refletir sobre as posturas que dignifiquem as mulheres, assim como todas as pessoas que sofrem exclusão, transformando radicalmente as vidas e levando-as a superar os elementos de marginalização. Somos desafiados/as a descobrir e apontar caminhos que prezem pela dignidade, amor e respeito, que denunciem as posturas autoritárias, machistas, patriarcais, que em nada se assemelham com o evangelho pregado por Jesus. 

As primeiras intuições indicam o caminho da educação, reflexões e novas 
construções sobre as relações entre mulher e homem. Ler o texto bíblico a partir de novas perspectivas, novos olhares. É importante que as mulheres e homens se eduquem, compreendam que são imagem de Deus e, por isso pessoas que merecem respeito! Uma vida sem violência é possível! 
Diante da omissão e do silêncio de tantas pessoas que deveriam representar a voz de um povo sofrido e experimentado em dores, é necessário suscitar a profecia. 

Precisamos erguer a nossa voz para usá-la como um instrumento anunciador de justiça. Voz de pessoas que esclarecidas e empoderadas, juntas em suas multiplicidades e conscientes, militam por um movimento de justiça, bem-estar, articulando novos caminhos, possibilitando novas histórias. 

É necessário estar próxima das realidades cotidianas, tendo um discurso 
contextualizado, denunciando e resistindo. Usando a mesma força que durante tanto tempo legitimou e sacralizou processos de dominação. Para contrapor as situações de dor e morte, Deus nos convoca para anunciar a ressurreição, a vida! 

Dia 8 de março.Não dê flores. Dialogue sobre relações maisjustas e solidárias entre as pessoas!

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Encontro Internacional da Marcha Mundial de Mulheres



Transmissão ao vivo
http://novo.fpabramo.org.br/node/9519

CARIOCAS POR PAULISTAS! A DESCRIÇAO DO CARIOCA POR UM PAULISTA, SENSACIONAL, VALE A PENA LER!

"Faz 1 ano. Desembarquei com esposa, cachorro e umas malas. A mudança veio no dia seguinte. Levei 33 anos imaginando “como seria”, e agora tenho 1 pra contar “como foi”.
O Rio de Janeiro é a minha Paris. Eu não sonho com a tal de torre, nem me importo com o Louvre e nem acho do cacete tomar café naquela tal de Champs-Élysées. Eu acho charmoso ir a praia de Copacabana, tomar cerveja de chinelo no leblon e ir a um samba numa grande escola.
Sou paulista, nunca tive
rivalidade bairrista em casa. Nunca me ensinaram a odiar o estado vizinho, ao contrário, sempre me foi dada a idéia de que estando no Brasil, estou em casa.
Ouvi mil mentiras e outras mil verdades sobre o Rio enquanto morei em São Paulo. Todas justas no final das contas.

Carioca exagera tudo, pra baixo e pra cima. Se elogiar a praia, ele exalta dizendo que é “a melhor praia do mundo”. Se falar que é perigoso, ele não nega. Diz que é “perigoso pra caralho”.
Trata sua cidade como filho. Só ele pode falar mal.

Cariocas não marcam encontro. Simplesmente se encontram.
A confirmação de um convite aqui não quer dizer nada. Você sugere “Vamos?”, eles dizem “Vamo!”. O que não implica em ter aceitado a sugestão.
Hora marcada no Rio é “por volta de”. Domingo é domingo. E relaxa, irmão. Pra que a pressa?
Em 5 minutos são amigos de infância, no segundo encontro te abraçam e já te colocam apelidos.
Não te levam pra casa. Te convidam pra rua. É curioso. Mas é que a “rua” aqui é tão linda que se trancar em casa é desperdício.
Cariocas andam de chinelo e não se julgam por isso. São livres, desprovidos de qualquer senso de sofisticação.
Ao contrário, parecem se sentir mal num ambiente formal e de algum requinte.

“Porra” é um termo que abre toda e qualquer frase na cidade. Ainda vou a uma Igreja conferir, mas desconfio que até missa comece com “Porra, Pai nosso que estais…”.
Cariocas são pouco competitivos. Eu acho isso maravilhoso, afinal, venho da terra mais competitiva do país. E confesso: competir o tempo todo cansa.
Acho graça quando eles defendem o clube rival pelo mero orgulho de dizer que “o futebol do Rio” vai bem. Eles nem notam, mas as vezes se protegem.
Eles amam essa porra. É impressionante.

Carioca é o povo mais brasileiro que há, mas que é tão orgulhoso do que é que nem parece brasileiro.
Tem um sorriso gostoso, um ar arrogante de quem “se garante”.
Papudos, malandros, invocados. Faaaaalam pra cacete. E sabem que estão exagerando.
Eles acham que sabem o que é frio. Imagine, fazem fondue com 20 graus!

A Barra é longe. Buzios, logo ali!
Niterói é um pedaço do Rio que eles não contam pra turista. Só eles aproveitam.
Nilópolis é longe. Bangu também.
Madureira é um bairro gostoso. O Leblon, vale os 22 mil por metro quadrado sugeridos pelos corretores.
Aliás, corretores no Rio são bem irritantes.

Carioca, num geral, acha que está te fazendo um favor mesmo se estiver trabalhando. É tudo absolutamente pessoal, informal.
Se ele gostar de você, te atende bem. Se não, não.
Tá com pressa? Vai se irritar. Eles não tem pressa pra nada.
Sabe aquela garota gostosa que sabe que é gostosa? Cariocas sabem onde moram.
O bairrismo deles é único. Nem separatista, nem coitadinho. Apenas orgulhoso. Ao invés de odiar um estado vizinho, o sacaneiam e se matam de rir de quem se ofende.

Cariocas tem vocação pra ser feliz.
São tradicionais, não gostam que o mundo evolua. Um novo prédio no lugar daquele casarão antigo não é visto como progresso, mas sim com saudades.
São folgados. Juram ser o povo mais sortudo do mundo.
E quem vai dizer que não?
No Rio você vira até mais religioso. Aquele Cristo te olha todo santo dia, de braços abertos. Não dá! Você começa a gostar do cara…

E aí vem a sexta-feira e o dom de mudar o ambiente sem mexer em nada. O Rio que trabalha vira uma cidade de férias. As roupas somem, aparecem os sorrisos a toa, o sol, o futebol, o samba, o Rio.

Já ouvi um cara me dizer um dia que o “Rio é uma mentira bem contada pela mídia”. Ele era paulista, odiava o Rio, jamais tinha vindo até aqui.
E é um cara esperto. Se você não gosta do Rio de Janeiro, fique longe dele.
É a única maneira de manter sua opinião.

Em quase toda grande cidade que vou noto uma força extrema para fazer o turista se sentir em casa. Um italiano em São Paulo está na Itália dependendo de onde for. Um japones, idem. Um argentino vai a restaurantes e ambientes argentinos em qualquer grande cidade.
No Rio de Janeiro ninguém te dá o que você já tem. Aqui, ou você vira “carioca”, ou vai perder muito tempo procurando um pedaço da sua terra por aqui.
Não é verdade que são preconceituosos. É preciso entender que o carioca não se diz carioca por nascer aqui. Carioca é um perfil.
Renato, o gaúcho, é um dos caras mais cariocas do mundo.
Tem todo um ritual, um jeitinho de se aproximar.
Chame o garçom pelo nome, os colegas de “irmão”. Sorria, abrace quando encontrar. Aceite o convite, mesmo que você não vá.
Faça planos para amanhã, esqueça-os 10 minutos depois. Faça amigos, o máximo de amigos que conseguir.
Quanto mais amigos, mais cerveja, mais risadas, mais churrascos, mais carioca você fica.
E quanto mais carioca você é, mais você ama o Rio. Como eles.
Gosto deles. Gosto de olhar pra frente e não ver onde acaba. Gosto de sol, de abraço, de rir muito alto e de não me achar um merda por estar sem grana.
Gosto de como eles se viram. Gosto da simplicidade e da informalidade que os aproxima do amadorismo.

A vida não tem que ser profissional.
Tem que ser gostosa.
E de gostosa, convenhamos, o Rio tá cheio.
Ops! Desculpa, amor! Escapou.

abs, merrrrmão!"
Rica Perrone

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Profetizadoras e profetizadores!

        “ Eu quero, isto sim, é ver brotar o direito como água e correr a justiça como riacho que não seca.”
           Amós 5.24


Todos têm acompanhado através das grandes mídias e também pelas mídias sociais os últimos acontecimentos. Um sem números de pessoas que mobilizadas em prol de objetivos comuns se propuseram a ocupar as ruas de nossas cidades, nossos estados, nosso país. Estivemos juntas, juntos!

A palavra pronunciada pelo profeta Amós em 760 a.C, parece-nos muito propícia para a atualidade. O profeta que fala a partir do cotidiano, que trás a tona as violações de direito, o esmagamento sofrido pelo povo, o terror, a destruição, a. [1] transformação das pessoas em não-gente por causa da opressão
De fato sua análise não recebia a simpatia da maioria, não era compartilhada pela opinião pública, consensual. Ao contrário, sua fala contradizia o sistema político e de certa forma a religião.
Quando saímos às ruas de São Paulo (contexto em que estou inserida), estávamos guiados exatamente por essa fé, é a partir dela que nos posicionamos contra os abusos do poder, e nesse caso especialmente contra o aumento da tarifa para o transporte público. Fomos motivados a lutar por esse ideal e sim vimos que a mobilização do povo, pode nos ajudar nas transformações que tanto ansiamos. Entretanto, acredito que nosso papel enquanto “protestantes”, é muito mais do que juntar-nos às muitas vozes, ou a multidão. Precisamos trazer para nossas comunidades de fé a discussão, o debate, o incentivo a participação na vida pública e a educação política.
A pauta que foi colocada está cumprida, temos muitas demandas ainda, mas é necessário sentarmos e refletirmos sobre como se dará o prosseguimento nessa caminhada.

Hoje temos a grande mídia como incentivadora e vozes desconhecidas ditando nossas pautas de luta, se os opressores apoiam nossa causa, então provavelmente esteja na hora de repensá-las.
No texto que citamos em versículos anteriores a profecia de Amós, critica a religião, suas festas e seus ritos, talvez seja o caso de revisitarmos nossas raízes e fazermos novas propostas a partir do que nos ensina o texto sagrado. Pastoras e pastores, nossa função não é ser porta voz da mídia, ou dos grupos que há muitas décadas vem explorando e subjugando nosso povo. Não precisamos assimilar o que a própria mídia gospel anda pregando.
 Amós era povo, era gente e por isso a sua luta era pela dignidade desses. Era “profetizador”, é mensageiro. Nega-se a assumir títulos, não quer auto-falante como mero transmissor. Relê as tradições e torna a realidade transparente. [2]    Quem somos nós? Em nossa consciência deve estar claro que também somos povo! Também somos gente e essa deve ser nossa prioridade, ajudar na descoberta da dignidade pessoal que desintegra pessoas por fora  e por dentro a partir de experiências de partilha e cooperação.


Thaiana Assis





[1] SCHWANTES, Milton. A Terra não pode suportar suas palavras. São Paulo: Paulinas, 2004. p. 24.
[2]  Ibid., p. 55.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

O mundo é um moinho


















Ainda é cedo amor
mal começaste a conhecer a vida
já anuncias a hora de partida
sem saber mesmo o rumo que irás tomar


Preste atenção, querida
embora eu saiba que estás resolvida
em cada esquina cai um pouco a tua vida
em pouco tempo não serás mais o que és


Ouça-me bem, amor
Preste atenção, o mundo é moinho
vai triturar teus sonhos, tão mesquinho
vai reduzir as ilusões a pó


Preste atenção, querida
de cada amor tu herdarás só cinismo
quando notares estás à beira do abismo
abismo que cavaste com os teus pés

Cartola

sábado, 7 de julho de 2012

Idéias para repensar o Ecumenismo

Por: Ivone Gebara



A raiz da palavra ecumenismo vem do grego oikia, casa ou nossa casa, numa linguagem mais familiar. A esta raiz se acrescenta o sufixo ismo. Em geral, apesar das críticas que fazemos aos ismos, por causa dos possíveis exageros que podem conter, eles indicam que há algo que precisa ser melhorado na casa humana ou no mundo de nossas relações. Por isso falamos de socialismo, de internacionalismo, de nacionalismo, de feminismo para indicar que precisamos estar alertas ao caráter social das relações humanas nos seus diferentes aspectos.

A palavra ecumenismo passou a ter no século XX um caráter mais religioso indicando que a fé religiosa como fenômeno humano estava passando por um intenso conflito de exclusões recíprocas. Cada religião insistia no seu caráter de única verdadeira e a partir daí, fazia seu proselitismo na tentativa de eliminar as outras, consideradas como falsas ou como concorrentes. Este comportamento acabou gerando mais e mais divisões entre os grupos humanos. Tanto no passado quanto no presente as guerras de religião, os crimes de intolerância contra as pessoas em nome de uma pretensa fidelidade a uma fé religiosa se tornaram moeda corrente em diferentes lugares do mundo. Por isso, os iniciadores do movimento ecumênico insistiam na urgência do diálogo inter-religioso como caminho de respeito as nossas diferenças e de possibilidade de lutar pela dignidade do planeta e de nossa humanidade comum. Este combate continua ainda mais atual no mundo de hoje.

A pergunta que fazemos neste século XXI é, de novo, em relação à causa de nossa vulnerabilidade e conflitividade religiosa. Em outras palavras, poderíamos nos perguntar por que as crenças religiosas tornam-se motivo de disputa, de divisão e de conflitos, muitas vezes, sanguinários? Por que atacamos a fé do outro para impor a nossa?  Por que tornamos a religião mais uma fonte de violência?

Muitas pessoas acreditam que os conflitos religiosos nada mais são do que conflitos políticos. O motivo religioso seria uma espécie de disfarce ou álibi utilizado com a finalidade de não mostrar as reais razões do conflito. Entretanto, a meu ver, esta resposta responde e não responde à pergunta formulada. Responde, porque de fato a história nos ensinou que os conflitos religiosos escondem questões políticas e econômicas. E não responde, porque permanece de pé a questão do como e do por que as religiões, que deveriam servir para a nossa edificação, na realidade servem muitas vezes para a nossa destruição.
Lanço uma hipótese como convite ao pensamento. Pergunto-me se o ataque às crenças de alguém ou às crenças de um grupo não se assemelham ao ataque às bases de sustentação de uma casa ou aos alicerces de uma oikia comum? Sustentamos e organizamos nossas vidas a partir de crenças comuns, de mitos, de símbolos, de ritos, de tradições.


As crenças que temos sobre as coisas da vida cotidiana e que dão sentido ao conjunto de nossa vida são uma forma de aposta que fazemos em relação a nossa existência. As crenças são a expressão do jeito como quero viver ou como acredito que deveria ser a minha vida, tanto no singular quanto no plural.
Assim, destruir a fé de alguém é destruir suas seguranças, suas convicções, sua expressão cultural naquilo que lhe dá segurança, razão de viver e lutar. Assim, por exemplo, a religião colonial na Ameríndia destruiu grande parte das religiões indígenas e, em seguida, destruiu muito das religiões africanas para impor-se como única verdade. A destruição das crenças pode começar, por um lado, a levar-nos a desconfiar de nossas convicções e a suspeitar da herança recebida em relação a uma tradição religiosa. Mas, por outro lado, pode igualmente acirrar ou fortalecer estas mesmas convicções, a tal ponto, que o outro que me ataca torna-se meu inimigo.


De repente, um inimigo nasce em mim e eu nasci como inimigo do outro. Nossa semelhança humana em vez de nos aproximar nos separa. O outro deixa de ser meu próximo ou meu semelhante para tornar-se meu inimigo.

No fundo, o inimigo, ou aquele que se torna meu inimigo, me revela aquilo que não quero ser ou aquilo que me ameaça na sua forma de ser. O inimigo tira a minha segurança, abala minhas raízes, arranca fora dos altares meus deuses e impõe outros. O inimigo revela muitas vezes uma força superior à minha e, talvez, seus ídolos mais dourados do que os meus e seus templos mais suntuosos do que os meus me provocam o desejo de ser parte deles ou de possuí-los. De inimigo ameaçador passo a invejá-lo e querer ter a sua força e assim passar para o seu lado. Vendo-me a seu poder e à sua sedução, converto-me aos seus deuses, dobro-me a sua vontade que se torna também a minha. Quando meus deuses são vencidos em mim é porque me tornei parte do outro lado. Mudo de campo de batalha, mudo de identidade, esqueço de minhas origens e de meus antigos amores. Torno-me amigo de quem era meu inimigo e passo a ter outros inimigos e outros amigos. Esta é, em parte, a historia das mutações humanas!

De repente, muito de repente, um velho texto presente no Evangelho de Jesus me vem à lembrança: ‘Amai aos vossos inimigos’… Como amá-los? Por que amá-los se querem tirar-me a vida? Não seria esta mais uma das varias afirmações insustentáveis do Evangelho de Jesus? Não seria este mais um dos impossíveis conselhos que se podem ler nestes textos antigos?

Se destruirmos o inimigo destruiremos o outro, a outra, pensamos com freqüência. Ficaríamos livres dos que nos atrapalha a vida. Poderíamos reinar em paz... Mas, quem é o outro senão eu mesma diferente? Sou o outro do outro assim como o outro é o outro de mim mesma? Não é jogo de palavras mas, é exercício de pensamento, de lógica cotidiana, de bom senso.
O inimigo é o outro do qual sou inimiga e eu, por minha vez, torno-me inimiga do outro. Há um jogo de amigos e inimigos que acontece em nós e fora de nós no cotidiano de nossa existência.


Do inimigo queremos distância, porque nos revela outros costumes e outras crenças ou porque revela algo tenebroso sobre nós mesmos. O inimigo pode ser aquela parte de nós que queremos apagar, eliminar, não deixar aparecer, porque é nossa imagem diferente, aquela que não queremos que apareça em nossa humanidade comum.

O caminho de minha hipótese de reflexão é tão complexo quanto cada um de nós diante do outro. Mas, vale explorá-lo um pouco mais para perceber a infinidade de meandros que se abrem.

A lógica presente ou a lógica que comanda a inimizade religiosa é a da exclusão recíproca para que apenas algo considerado como a verdade sobreviva. Na exclusão recíproca se crê que apenas um lado pode e deve viver. Os outros devem desaparecer porque são demais, porque atrapalham minha soberania ou minha pretensa hegemonia ou a manifestação da verdade que estou defendendo.

Por estas e muitas outras razões o ecumenismo no século XXI deveria superar as formas pelas quais expressamos nossas crenças particulares. Deveria abrir-se para o respeito àqueles que crêem ou simplesmente que são artesãos da arte de crer na construção do ser humano plural numa terra plural e ao mesmo tempo única. O movimento ecumênico deveria ajudar os artistas que somos, artistas na construção de sentidos, a respeitar uns aos outros sem, no entanto, afirmar-se como a verdade de um grupo sobre o outro. Se uma crença quiser se sobrepor à outra, ou eliminá-la por concorrência desleal, tornará nossa oikia comum frágil e violenta. E, então, ela não se sustentará e desabará como as pedras de uma construção mal feita. Se as crenças religiosas não abandonarem o projeto imperialista proselitista das muitas Torres de Babel de nosso tempo serão apenas instrumentos de ódio e destruição.

Amai os vossos inimigos resta como um insistente convite para repensar sempre de novo as nossas convicções e as nossa relações. Quem é meu amigo? E meu inimigo? A partir de que e de quem nos fazemos amigos ou inimigos?

Ivone Gebara.

Tempo  e presença digital
Ano 3 - Nº 12 
Setembro de 2008
Publicação Virtual de KOINONIA (ISSN 1981-1810


quarta-feira, 4 de julho de 2012

José Míguez Bonino: reflexão e missão na América Latina

Víctor Rey entrevistou alguns anos atrás José Míguez Bonino, pastor metodista, argentino, teólogo reconhecido, professor emérito do Instituto Superior de Estudos Teológicos (ISEDET); membro da Constituinte que deu à luz a nova Constituição argentina. Pensador destacado e décano dos teólogos evangélicos latino-americanos. Publicou Rostos do protestantismo latino-americano, pela Editora Sinodal, e Em busca de poder: Evangélicos e participação política na América Latina, pela Novos Diálogos. Tradução e publicação da Novos Diálogos.



Pode nos contar um pouco de sua vida? 
Sou filho de dois imigrantes, pai galego e mãe italiana, trabalhadores do porto. Converteram-se aqui [na Argentina]. Minha mãe se converteu primeiro e meu pai a seguiu. De modo que eu estive desde pequeno na Igreja Evangélica Metodista e participei ativamente na juventude até quando senti, estudando na Faculdade de Medicina, a vocação para o ministério. Então, vim estudar teologia em Buenos Aires, e logo ingressei no pastorado da Igreja Metodista.

Assumi o pastorado como estudante na Bolívia, por um ano, e depois em Mendoza, em Buenos Aires. Então o bispo da Igreja me convidou a fazer um curso de pós-graduação para trabalhar na educação teológica. Fiz nos Estados Unidos, na Faculdade Metodista, e depois no Union Seminary, em Nova Iorque. Voltei para ensinar aqui de 1954 até 1958, e depois do doutorado em 1960, fui encarregado da direção do que era então a Faculdade Evangélica de Teologia que, ao se unir com a Faculdade Luterana de Teologia, formou o que é agora o ISEDET [Instituto Superior Evangelico de Estudios Teologicos].
Enquanto isso sempre mantive um vínculo com a igreja local, em alguns casos como pastor titular e em outros como pastor associado; e, eventualmente, por diferentes circunstâncias tive participação na Comissão de Fé e Doutrina do Conselho Mundial de Igrejas. Diria que duas ou três coisas que me marcaram foi, por um lado, a experiência que tive — justamente por participar no Movimento Ecumênico — de conhecer as igrejas da Europa, África e Ásia, e sua problemática, e a oportunidade de viajar bastante pela América Latina.
A segunda coisa foi durante o período do governo militar na Argentina. Ou melhor, pouco antes do governo militar, a formação da Assembleia Permanente pelos Direitos Humanos, com a participação de pessoas de diversas extrações políticas, religiosas, ideológicas e culturais. A Assembleia teve a responsabilidade, junto com outras organizações, de defender os Direitos Humanos, assim como a proteção, até onde fosse possível, e o apoio às pessoas que sofreram perseguição durantes estes anos. Negociou uma visão que me parece muito significativa, em relação aos esforços de solidariedade dentro da sociedade civil e o valor que eles têm nos momentos de crise.
Quais foram os fatores, autores e livros que mais contribuiram na sua formação como teólogo? 
Em primeiro lugar, obviamente, fora todo o resto, a Bíblia. Eu estou convencido, desde minha infância, que finalmente ali se encontra, não respostas prontas, mas direção, condução e orientação, de modo que há a necessidade de voltar constantemente à Bíblia. Depois, eu diria que as coisas que eu li me ajudaram a examiná-la melhor. Do ponto de vista do estudo, são muito significativos para mim os comentários e trabalhos que contextualizam a História Bíblica, saber o que queria dizer, o que fez um Isaías, um Jeremias, em seu tempo, o tipo de sociedade que Jesus anuncia e o significado que tem. Ver o mundo helenístico no qual entra Paulo e como consegue falar o idioma desse mundo, sem trair nem mudar em nada a centralidade da fé.

Todo o campo de estudos bíblicos que se abre enormemente na Europa e, em particular, nas décadas de 1950, 1960 e 1970 me ajudaram muito e foi uma fonte de inspiração.
Por outro lado, talvez o tema teológico que se colocava aos estudantes de teologia na década de 1940, quando estudei, era que, por um lado, tínhamos uma herança religiosa muito pietista, muito evangélica, centrada na salvação em Jesus Cristo, na busca da santidade, na direção do Espírito Santo. Muito centrada na experiência da conversão e no crescimento da fé. Além disso, havia entrado todas as tendências liberais que nos interessavam, porque nos punha em contato com a cultura de nossos povos e como jovens evangélicos argentinos, sentíamos a necessidade de entrar e participar da cultura, da vida social de nossos povos.
Então, nas tendências liberais, especialmente no que se chamou de "evangelho social", encontramos uma orientação para essa nossa preocupação com a cultura, com a sociedade. Mas ao mesmo tempo notamos a debilidade teológica dessa orientação, na busca de relacionar nossa tradição bíblica teológica evangélica com a preocupação social, com o âmbito cultural. Para mim e para muitos companheiros, a teologia de Barth foi sumamente significativa. Este era um teólogo que havia chamado a teologia de volta às Escrituras, mas que ao mesmo tempo participava ativamente da luta contra o racismo.
Assim, creio que isto nos atraiu e aprendemos muito. Para mim, pelo menos, foi significativo ler primeiramente alguns artigos de Barth, depois o livros sobre Romanos, a Teologia Sistemática, e junto com ela, a de outros autores ligados ao despertar teológico europeu de origem reformada, por exemplo, que nos ajudou. Também Ray Hollinworth, que critica fortemente o evangelho social por sua debilidade teológica e por seu idealismo utópico, mas ao mesmo tempo está preocupado em como se pode construir uma sociedade moral, uma vida mais justa e mais digna.
Poderia nos dar uma breve definição do que é a teologia? 
Já que mencionei Barth... uma definição barthiana que para mim segue sendo vigente é a teologia como a reflexão da Igreja, à luz das Escrituras, sobre sua missão no mundo. Ainda é a melhor definição que conheço.

A que se deve que na América Latina a teologia não tenha muita presença e qual seria o futuro da teologia na América Latina? 
A teologia na América Latina foi sempre uma teologia importada. Desde o princípio, a teologia espanhola da conquista foi uma teologia importada; a teologia protestante, tanto das igrejas de imigração como das igrejas de missão foi importada. Isto não me escandaliza, porque em qualquer lugar do mundo onde chega o Evangelho, alguém tem que trazê-lo. Um povo não inventa o Evangelho, tem que recebê-lo. E tem que recebê-lo de maneira que se possa dizer que toda a teologia foi de alguma forma importada, desde o nascimento do cristianismo, desde que a Palestina foi levada por Paulo ao mundo helenístico e depois muitos outros a várias partes do mundo.

Isso não me preocupa sempre que em algum momento essa teologia herdada comece a ser refletida, interpretada com relação à vida do povo onde está se enraizando o Evangelho, que leve em consideranção as experiências históricas, sociais e a tradição, mas isto não havia ocorrido na América Latina.
Há alguns textos que poderíamos mencionar, bem esporádicos, onde se tenta; mas diria que, até a década de 1940 ou 1950, não há uma tentativa séria de pensar sobre a fé recebida, herdada, vivida, e pensá-la à luz da problemática e necessidades de nossos povos. Então eu creio que recentemente começam a aparecer essas tentativas, estimuladas às vezes por outros autores de fora. Mas ao mesmo tempo, porque havia surgido já uma segunda geração de evangélicos e, em alguns casos, uma terceira que se sentia verdadeiramente parte de seu país. Então tentavam pensar nesta teologia.
Eu creio que é aí onde nascem, por um lado, algumas participações no que se chamou de Teologia da Libertação; onde começa a Fraternidade Teológica Latino-americana a trabalhar suas experiências, a partir de suas igrejas, a pensar a teologia como latino-americanos. Isso vai se aprofundando e eu creio que a partir das décadas de 1950 e 1960 começa a aparecer uma teologia latino-americana que as igrejas ainda não assumiram. Talvez pelo peso da tradição. Na realidade sempre aconteceu assim, mas creio que já há uma consciência teológica latino-americana que se expressa de muitas maneiras: movimentos estudantis, grupos de estudo etc. E que é bastante necessária, especialmente gente jovem de todas as igrejas evangélicas.
Pode-se também perceber nos seminários e institutos bíblicos o sentimento de que se necessita uma formação mais profunda, em termos da interpretação das Escrituras, como da teologia, da ética. Daí que creio que há um campo bem grande e que estas tentativas dos ultimos anos não devem ser consideradas como a última palavra, mas que têm que ser aprofundadas e enriquecidas.
Qual é a missão da Igreja hoje? 
A missão da igreja está dada fundamentalmente pelo comissionamento evangélico. Nas distintas versões que encontramos nos relatos dos evangelhos, convida-se a pregar o Evangelho a todas as nações, não somente a todos os indivíduos, mas a todas as nações. Este evangelho do Reino será pregado até o dia do retorno do Senhor em glória. Na mensagem da vida, no Evangelho de João, o Senhor sopra para que esta mensagem da vida eterna seja anunciada.

Creio que a ênfase em pregar o Evangelho, de ser testemunhas do Reino de Deus e de anunciar a vida, são formas diferentes de uma mesma missão, mas tem que ser formas complementares. De modo que a missão não deve ser entendida simplesmente como uma proclamação oral do Evangelho; tampouco pode se entender unilateralmente como uma forma de vida em si mesma, que sem que se fale seja possível mostrar o significado do Reinado de Jesus Cristo na vida humana.
De modo que é necessário tomar em conjunto esta diversidade, esta amplitude que nos mostra a Bíblia, para uma concepção da missão da Igreja que seja o que hoje chamamos Integral — ou como alguns utilizam Holística —, se é que se refere à totalidade da vida.
Como você vê o povo evangélico neste momento na América Latina, e quais são seus pontos fortes e fracos?
Evidentemente, se se pensa de seus pontos fortes creio que o impulso missionário, o impulso de evangelizar é o princípio básico das Igrejas Evangélicas na América Latina.

As Igrejas na América Latina têm a consciência de que têm que anunciar o evangelho e que têm que convidar as pessoas a crer e a seguir Jesus Cristo. Assim, creio que isso é forte. A experiência dos últimos anos mostrou que responde a uma necessidade muito profunda de nossa população, nestes momentos de crise cultural, social, ética, nas quais setores crescentes de nossa população são lançados à marginalidade ou em situações muito precárias onde não se encontra o sentido da vida. Pareceria que todas as possibilidades estão esgotadas. Creio que a ansiedade e a necessidade que isso cria encontrou na pregação evangélica uma resposta, e por isso se dá o crescimento: estas são os pontos fracos.
Eu diria que nossa força e nossa fraqueza, ou seja, esta concentração enorme na ação missionária, às vezes, não foi acompanhada de crescimento tanto no aspecto espiritual mais profundo — às vezes cultivamos uma espécie de piedade bastante superficial; a piedade composta apenas de cantos fervorosos, de pregação incendiada está bom mas não tem raízes suficientes; assim, quando sobrevêm situações difíceis, facilmente se diluem ou o que é pior é levada a expressoes espetaculares que não me parece que tenham a profundidade e a seriedade que tem o evangelho.
Expressões puramente exteriores que são bastante contagiosas mas que, às vezes, nao geram um verdadeiro compromisso de toda a vida. As Igrejas Evangéicas estão tendo já, desgraçadamente, uma espécie de clientela religiosa que consome a religião mas que não produz a vida, ou seja, são clientes da religião mas não discípulos no sentido total de discipulado.
Também me parece que é extremamente perigoso mostrar o evangelho como um caminho para a prosperidade. Isto está entrando fortemente em alguns setores evangélicos, talvez com muita boa vontade e talvez respondendo a uma necessidade real, porque as pessoas necessitam poder viver, mas fazendo promessas que não são as promessas de Jesus Cristo — ele não nos prometeu que tudo iria bem, que todo mundo gostaria de nós, que vamos ser prósperos. Nos disse que o seguíssemos e que estivéssemos dispostos a levar a cruz, que o que deixássemos pelo evangelho nos seria devolvido em dois, três ou dez vezes mais, mas isso é graça; o propósito é segui-lo, o resto vem por acréscimo. Me parece que há aí um erro e é bastante fraco.
A outra fraqueza que estou alertando agora é justamente o fato de que pelo grande crescimento, o mundo evangélico passa a ser um ator social na sociedade latino-americana, tem peso, ainda não muito visível, mas tem peso. Então, estamos alertando para a tentação de aproveitar esse peso para buscar o poder para si, o que acredito é uma tentação bem grande.
Seria muito triste se nós que, como evangélicos, criticamos sempre o uso do poder legitimando religiosamente o uso do poder político pela Igreja Católica para seus próprios fins, terminássemos seguindo o mesmo exemplo; no lugar de pensar em uma cristandade católica, nós tentássemos agora uma cristandade protestante, o que seria igualmente grave. Eu não digo que não se deva pensar no tema do poder que é um tema importante e, graças a Deus, temos possibilidade de participar, mas saibamos a partir de onde participamos e qual é efetivamente uma forma evangélica de entender a vida política e social, porque senão corremos o risco de transformarmo-nos em clientes de quem nos ofereça mais. Assim, creio que aqui há outro campo no qual temos fraquezas. Mas novamente a fraqueza é nossa força porque chegamos rapidamente a ser significativos na sociedade sem ter preparado suficientemente a retaguarda teológica de formação que nos sirva para participar ativamente.
Como você vê a participação dos evangélicos na política, e me conte sobre sua própria participação política na Constituiente que formou a constituição na Argentina? 
Eu vejo a participaçao dos evangélicos na política em princípio positivamente. Creio que o evangélico é um cidadão que tem responsabilidades pelo seu país e que deve exercê-las em todos os níveis. No nível religioso, mas também social, cultural, econômico, político, de modo que em princípio isto está bom. Pessoalmente não creio na formação de partidos evangélicos; creio que a experiência de partidos políticos confessionais no mundo inteiro não é positiva, já que cria uma confusao entre o que é o evangelho e o que é a política. Me parece que as duas coisas são muito importantes mas devem ter identidade própria: normalmente ou se juntam demasiadamente ou se separam. Ou seja, ou se vive o evangelho, por um lado, e a política, por outro, sem racionalizá-los, ou se mescla tanto que não se sabe quando se está político ou cristão. Me parece que eu diria não ao partido evangélico; para a participação de evangélicos na vida política, sim. E acredito que a experiência que tivemos nos últimos anos com a participação [evangélica] em vários lugares nos está mostrando ao mesmo tempo a possibilidade mas também os perigos. Temos já algumas experiências que nos advertem bastante. A experiência na América Central, me parece que nos chama a atenção para os perigos, e a experiência no Peru também. Por outro lado, nos mostra que, sim, há uma possibilidade. Eu pessoalmente nunca quis participar em um partido político sendo pastor; na realidade, eu fui filiado a um partido político na minha juventude, mas quando ingressei no ministério renunciei à filiação porque nesse momento me pareceram incompatíveis.

No caso da Assembleia Constituinte em 1994, me convidaram a participar como ex-filiado, ou seja, sem assumir filiação partidária, e pensei que isto era uma coisa bem diferente, se tratava não de uma questão partidária mas da Constituição da Nação, que é para todo o povo. Por outro lado, deixei bem claro que não assumia uma posição partidária, e que se houvessem pontos nos quais a posição do setor pelo qual eu participava, pelo qual tinha sido eleito, não a considerasse coerente com minhas convicções, não ia apoiar. Além disso, a Constituinte estava delimitada por um tempo e foi eleita para fazer as reformas, demorou quatro a cinco meses para fazê-las e terminou ali. Foi nesse sentido que aceitei a candidatura, pensando que me dava a oportunidade de participar na preparação mas que era muito difícil que chegasse a ser eleito. Fui eleito e então participei com uma preocupação principal por certas questões que me interessavam como cristão, como evangélico. Por um lado, as questões que tinham a ver com a condição de liberdade e igualdade religiosas que é o tema mais importante, já que nossa constituição era ainda uma constituição muito católica, com artigos que vinham do tempo do padroado. Então eu acreditava que havia modificações que eram necessárias. Algumas puderam ser feitas, outras não. E por outro lado, me interessava também toda a questão que tinha que ver com a distribuição do poder, ou seja, a inclusao na Constituição de formas diretas e semidiretas de democracia, que permitissem maior participação ao povo; e os temas que tinham a ver com os Direitos Humanos de toda ordem, isto é, direitos políticos mas também direitos sociais e bem particularmente o tema dos direitos dos povos indígenas. Participei principalmente nas comissões internas da Assembleia que tinham a ver com esses temas dos novos direitos, das formas de participaçao política e da questão religiosa. Nesse sentido, foi uma experiência muito positiva, ainda que eu tenha gostado de algumas coisas que surgiram da Assembeia, e de outras não; mas isso acontece quando se participa de um processo como este.

Teologia Feminista Hoje


A teóloga Claudete Ribeiro de Araújo apresentou um quadro panorâmico a respeito dos Desafios e perspectivas das Teologias Feministas na América Latina. Veja a síntese de seu artigo.

(1) Contribuição que as teologias feministas vêm dando à produção teológica:
- A descoberta de um mundo pluricultural e multirreligioso, que gosta da diversidade e que não tem pretensão de se fechar em única experiência religiosa. O diálogo se dá com a apropriação e a somatória das experiências religiosas que alimentam o cotidiano. Assim, a Teologia é sempre plural porque as experiências religiosas também o são.
- A elaboração da hermenêutica da suspeita permite teologizar a experiência religiosa dos grupos culturais. Deus não está encerrado apenas na Bíblia ou nos textos sagrados.
- O uso de outras formas de linguagem. As canções, os poemas, as danças e os rituais também são formas orais e escritas de elaboração teológica.
- A superação da influência grega no pensar teológico, pois a reflexão não é mais dual e nem está em contraposição. Há uma reflexão com pensamento global na qual o pessoal não é separado do estrutural e nem o transcendente separado do imanente.
- A reformulação da teologia do sofrimento.
- A construção de novas imagens de Deus no discurso religioso. Como nas comunidades eclesiais existem homens e mulheres fez- se necessário usar muitas e múltiplas imagens para se falar de Deus.

(2) Dificuldades e desafios para uma produção feminista na América Latina:
- As estudantes de Teologia têm acesso a artigos e livros de Teologia escritos por homens e têm de provar seu conhecimento e sua aptidão para a produção teológica a partir de seus conhecimentos nesses escritos.
- Todos os livros sagrados foram escritos por homens e interpretados historicamente por eles. Também os mediadores do divino sempre foram homens:
- As mediações entre o divino e o mundo são visões masculinas e os processos de salvação sempre foram elaborados por homens. As religiões consideradas menores têm mediações femininas, mas essas são consideradas pejorativas e desqualificadas pela Teologia.
- As teologias feministas têm sido depreciadas por serem produzidas por mulheres que trazem sua experiência corporal na produção teológica. Essa desqualificação está ligada à depreciação milenar do corpo, na medida em que a Teologia se ocupou das “coisas do espírito”. Quebrar esse dualismo se faz necessário, pois a vida humana acontece no corpo assim como toda experiência religiosa.
- Muitos institutos de Teologia não têm pessoas com conhecimento de teologia feminista, não podendo assim multiplicar discípulos(as) ou mesmo acompanhar trabalhos que resultariam numa sistematização de temas teológicos importantes para a realidade atual e mais respostas para a realidade latino-americana.
- As religiosas pouco têm se despertado para a formação intelectual na Teologia e em outros saberes. Elas poderiam contribuir não só na refundação da vida religiosa a partir de perspectivas feministas, como também para diminuir as contradições existentes nas estruturas eclesiásticas na medida em que assumissem suas opções com mais profundidade e conhecessem outros espaços de atuação no mundo.

(3) Sugestões para o crescimento das teologias feministas na América Latina:
- Nova leitura da história, pois ao reler a história, as mulheres encontram espaços religiosos, contextos sociopolíticos, culturas e costumes. Descobrem que foram sujeitos e que sempre tiveram poder, resgatam a auto-estima que permite construir nova identidade. Somente a partir dessa leitura é possível criticar a cultura.
- Incentivo dos estudos superiores das mulheres, não apenas na graduação, mas nos estudos posteriores que as levem à conclusão de seus estudos, para que possam assumir os trabalhos acadêmicos nas universidades e nos institutos teológicos, preparando outras mulheres e homens em seus estudos, produzindo teologia a partir de sua experiência e ajudando a conhecer os diferentes diálogos que se vêm processando na base dos movimentos teológicos.
- Investimento concreto por parte das universidades e institutos nas mulheres preparando-as para os estudos teológicos e/ou contratando-as como professoras.
- Inclusão, na grade curricular dos cursos de Teologia, de disciplinas como a metodologia feminista e/ou os estudos feministas como matéria de teologia fundamental na elaboração teológica, permitindo assim que os novos estudantes de Teologia tomem conhecimento e aprendam bebendo das diversas produções teológicas que vêm sendo elaboradas nos diversos continentes.
- Construção de uma nova abordagem sobre sexualidade e sobre o tema mariano a partir da hermenêutica da suspeita, pois na construção teológica Deus foi sempre masculino e Maria foi sempre a mulher. Essa reconstrução sobre Maria precisa acontecer junto com a reconstrução da identidade de Deus, na medida em que se carregue Deus com as chamadas características femininas e Maria com as conhecidas características masculinas.

Por fim, as teologias serão cada vez mais fiéis a si mesmas na medida em que a categoria de gênero estiver presente nas produções teológicas (na teologia moral, na exegese bíblica, na teologia sistemática e fundamental, nas disciplinas auxiliares ou chamadas instrumentais). A análise teológica a partir do género não é exclusividade da teologia feminista, ela deve permear e carregar todo tipo de produção teológica, até a Teologia da Libertação, porque permite a desconstrução de conceitos e dogmas construídos no passado e a tradução da tradição. O gênero não é um problema das mulheres, mas da cultura e, portanto, diz respeito a homens e mulheres, O conceito de gênero permite mudar as relações entre as pessoas e, portanto, a realidade.

(Síntese de C. Ribeiro de Araújo, Desafios e perspectivas à produção teológica a partir da contribuição das teologias feministas in: AA.VV, Sarça ardente. Teologia na América Latina. Prospectivas. São Paulo: Paulinas – SOTER, p. 238-248)

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Direito de quem?

"Um dia, eles me levaram para um lugar que hoje eu localizo como sendo a sede do Exército, no Ibirapuera. Lá estava a minha fi lha de um ano e dez meses, só de fralda, no frio. Eles a colocaram na minha frente, gritando, chorando, e ameaçavam dar choque nela. O torturador era o Mangabeira [codinome do escrivão de polícia de nome Gaeta] e, junto dele, tinha uma criança de três anos que ele dizia ser sua fi lha. Só depois, quando fui levada para o presídio Tiradentes, eu vim a saber que eles entregaram minha fi lha para a minha cunhada, que a levou para a minha mãe, em Belo Horizonte. Até depois de sair da cadeia, quase três anos depois, eu convivi com o medo de que a minha fi lha fosse pega. Até que eu cumprisse a minha pena, eu não tinha segurança de que a Maria estava salva. Hoje, na minha compreensão feminista, eu entendo que eles torturavam as crianças na frente das mulheres achando que nos desmontaríamos por causa da maternidade. Fui presa e levada para a Oban. Sofri torturas no pau de arara, na cadeira do dragão, levei muito soco inglês, fui pisoteada por botas, tive três dentes quebrados. Éramos torturadas completamente nuas. Com o choque, você evacua, urina, menstrua. Todos os seus excrementos saem. A tortura era feita sob xingamentos como ‘vaca’, ‘puta’, ‘galinha’, ‘mãe puta’, ‘você dá para todo mundo’... Algumas mulheres sofreram violência sexual, foram estupradas. Mas apertar o peito, passar a mão também é tortura sexual. E isso eles fizeram comigo. Eles também colocaram na minha vagina um cabo de vassoura com um fio aberto enrolado. E deram choque. O objetivo deles era destruir a sexualidade, o desejo, a autoestima, o corpo."

ELEONORA MENICUCCI DE OLIVEIRA, ex-militante do Partido Operário Comunista (POC), era estudante de Sociologia e professora do ensino fundamental quando foi presa, em 11 de julho de 1971, em São Paulo (SP). Hoje, vive na mesma cidade, onde é pró-reitora de extensão e cultura e professora titular de saúde coletiva da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).